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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Noruega ainda

O nosso amigo Nelson enviou-me no sábado, 3 de Setembro (após 3 meses sem notícias) um email com a notícia da interrupção da sua viagem, tendo trocado a sua condição de viajante pela de "emigrante", ou melhor convertido à condição de "emigrante viajante", já que encontrou emprego como camionista. Não nos informa muito sobre o desempenho profissional mas envia o seu último texto para o blog que pode ser lido em aqui.
Abraço e votos de felicidades, por cá continua a crise económica mas temos sol :-)

sábado, 3 de setembro de 2011

Noruega (continuação)


Noruega, continuação…

Nesta viajem tenho aprendido algumas coisas… uma das quais é que tinha alguns pré-conceitos quanto às nacionalidades das pessoas, o que é totalmente errado! Valorizar pessoas de nacionalidades de países mais ricos é um erro, é valorizar os bens materiais em detrimento do verdadeiro valor de cada individuo.
Os romenos foram impecáveis para mim, deram-me boleia, jantar, estadia de 2 noites e ainda me disseram que podia ficar mais tempo, e quando parti, deram-me 2 ovos para cozinhar e toucinho. 
Actualmente são carpinteiros e trabalho não lhes falta, pois existem muitas casas em madeira. Pediram dinheiro ao banco, e compraram casa e um pequeno parque de campismo com casas de madeira para alugar.
No jantar que tive com eles, tive a ousadia de dizer que pensava que os romenos levavam o tempo a pedir dinheiro nas ruas, e que não gostava deles até porque não pareciam de confiança. Ele disse-me que isso é verdade, que concorda comigo, mas são os ciganos romenos que o fazem.
…parto de Edland, e sigo viajem pela estrada 362, com as baterias carregadas de calor humano que recebi por parte destes romenos. A estrada é mais pitoresca e mais a subir, o que não é problema. Mas as frieiras fazem-me sofrer muito, e quando pedalo as frieiras nos pés provocam-me dores terríveis. Também tenho nas mãos… as mãos estão inchadas, tenho muita comichão, é muito desconfortável, um momento de sofrimento posso dizer. Raramente tive frieiras durante a minha vida, e nunca desta forma.
Enquanto subo  o montanha, vou pensando que tenho que sair deste país o mais depressa possível. Este clima é demasiado agreste para viajar de bicicleta. Embora já tenha passado pela pior zona, o frio continua, céu cinzento, às vezes chove um pouco e tenho bastante presente na minha mente, os maus momentos passados na montanha com neve. Tenho calor quando subo, depois estou suado e a camisola de lycra, afinal não é tão boa para deixar passar a respiração, e fica molhada. Por isso começo a sentir frio… calor e depois frio, calor e depois frio, e assim sucessivamente, não dou com o meio termo, e a temperatura é fundamental para nos sentirmos bem. Depois da subida paro para comer junto à estrada. Existe mesa e bancos, mas não me sento, aqueço raviolis enlatados, está frio, como de pé porque não me apetece sentar no banco molhado e frio, ameaça chover, vejo casas de madeira no meio da montanha, um riacho… depois penso: “é final de Maio…, a paisagem é bonita, mas que graça tem uma viajem de bicicleta com um frio destes? O sol e o calor é tão importante.”
Quero referir que a roupa é um aspecto de extrema importância, para quem quiser viajar nestes países e de forma exposta aos elementos naturais. A Noruega está praticamente toda coberta de montanhas e montes, e o clima pode ter variações extremas no mesmo dia.
Todas as peças de roupa devem fazer evacuar bem a transpiração para não ficarmos molhados quando suamos.
Aconselho imperativamente uma camisola (primeira camada) em tecido sintético ou um misto de Merino Wool e sintético, esta última é mais quente (wool=lã que serve para nos manter quentes e sintética para ajudar a evacuar melhor a transpiração). Por cima da camisola devemos utilizar uma camisola com fecho corta vento e com algum aquecimento. Se estiver a chover deve ser utilizado um casaco mais completo, do tipo apresentado nas fotos. O casaco talvez seja a peça mais importante, é uma espécie de “castelo” para quando o clima é realmente agreste, e deve ser impermeável, de aquecimento, que deixe evacuar a transpiração e não demasiado pesado pois temos que o transportar sempre.
Para o final do dia, ter uma camisola 100% Merino Wool e um forro polar é importante, mas se estiver calor, obviamente uma t-shirt é o melhor.
Calças de Lycra com pêlo e calças impermeáveis, estas últimas se forem respiráveis melhor.
Merino Wool é um tecido 100% lã, muito quente proveniente de alguns tipos de ovelha Merino.
Durante muito tempo em Portugal, perguntava-me qual era a roupa mais quente, qual a melhor forma de me vestir para combater o frio, ouvia sempre as pessoas a queixarem-se do frio, e questionava-me como é que as pessoas dos países frios se vestiam… a resposta é: as pessoas dos países frios usam e abusam de tecidos 100%  lã, nomeadamente Merino Wool na roupa interior e meias (espessas). Depois vestem uma camisola de lã ou um bom forro polar de lã ou sintético mas espesso e de boa qualidade, depois vestem um bom casaco de aquecimento e impermeável, caro mas bom. Quanto ao calçado, usam botas de montanha à prova de água Goretex… e existem botas de montanha com um cano realmente muito alto, para a neve não entrar para dentro das botas.
Há uns dias atrás fui a uma super loja de material de desporto, sentei-me num banco em frente às botas de montanha… fiquei espantado com a diversidade apresentada, depois os casacos… vi casacos que custam 750€. As mochilas de montanha são gigantes,  algumas têm capacidade para 125L.
Durante o dia ou numa saída à noite e com roupa mais bonita, muitas pessoas utilizam casacos que em Portugal seriam considerados desportivos e supostamente “não fashion”, mas que aqui são considerados bastante cool. São casacos impermeáveis (de aquecimento ou não) e muitos deles com cores fluorescentes e com reflectores.
Já vi também pneus para bicicleta com picos de ferro, (nos carros também) para serem utilizados no inverno, e têm mesmo de ser utilizados se quisermos andar de bicicleta, e mesmo assim é preciso um cuidado redobrado ao andar com gelo na estrada.
…é tarde, tenho que terminar o dia e acampo em frente a um lago, tenho uma paisagem de luxo e tenho à minha disposição 3.5L de leite puro de vaca oferecido numa vacaria uns kms antes. Não consigo parar de o beber. Depois de barriga quase a estoirar de tanto leite puro, um banho no lago… “Leite e água fria não são bons para a digestão.”-poderão dizer. “O meu corpo há muito que deixou de ter esse tipo exigências...”
No dia seguinte chuva para variar, e depois de um dia de chuva, sabe bem um tecto que não a tenda, pois poderei estender a minha roupa para enxugar. Resolvo bater a uma porta de uma quinta e pergunto se posso dormir debaixo de um alpendre, na casa do gado… “não”- é a resposta”. Tento pensar positivo, treino a minha mente para isso todos os dias, pois a adversidade está presente em muitos momentos, e o optimismo e a persistência são factores necessários. Não desisto e bato a outra porta uns kms a seguir. Vem uma senhora à porta, com mais de 50 anos… Conversa comigo de forma agradável e com simpatia (“estão a ver?, nem todos são iguais, não venho pedir dinheiro, apenas um tecto para pernoitar”), o marido não está mas vai chegar daqui a algum tempo, vou ter que esperar mais um pouco. Por isso leva-me até a um bonito alpendre com mesa e sofás, para aguardar. Continuamos a conversar, mais uma história de vida… toca-me bastante recordar esta história. “Os meus pais emigraram para a Califórnia nos EUA, em busca de trabalho,  e vivi lá até aos 16 anos. O clima era maravilhoso! Fiquei com pena de vir para a Noruega. Durante toda a minha vida pensei em regressar à Califórnia… aqui o clima é severo (diz estas palavras com uma tristeza comovente, por não o ter feito, percebo de imediato que este era um desejo demasiado valioso para esta  mulher, e que não concretizou). Os meus pais tinham uma família pequena, e eu tinha o sonho de ter uma família grande, tive filhos e depois netos, e acabei por nunca regressar à Califórnia. “
Engraçado… ainda agora comecei a conversar com esta senhora e já estamos a falar de coisas tão profundas, que me comovem. É um momento mágico -penso.
Entretanto chega o marido… fico a dormir numa casa de madeira, cavalariça e palheiro (adoro estes locais). Observo que têm amor pelos cavalos… estão expostas fotografias de cavalos, várias crinas penduradas.
…sigo viagem, chego a Heddal, paro e penso que tenho que acampar, entretanto vem um carro com um casal nos 60`s, e começam a conversar comigo, fico a acampar primeiro no seu jardim, depois na varanda da moradia. São donos da bomba de gasolina mais bonita da Noruega, de acordo com o que eles me dizem (construída em madeira). Fiquei aqui mais de 1 mês..
Já passaram 3 meses e ainda sofro devido ao frio que apanhei nas montanhas, tenho as extremidades dos dedos das mãos com uma sensação de “formigueiro” e os dedos das mãos gelam-me muito mais facilmente com pouco frio.
A médica aqui na Noruega, aconselho-me a dormir à noite com umas luvas 100% lã, e se poder também o devo fazer durante o dia. O frio afectou-me a circulação na extremidade dos dedos das mãos…
Entre umas saídas a Oslo , pesca no rio, caminhada na montanha, uma ida a uma competição de carros de Turismo (Gatebil) e andar no Toyota Supra de 800cv do filho dos donos da casa onde estava acampado, andar num autocarro de 1º andar auto-caravana, entre outras coisas, nem tudo se conta…, tem sido um cocktail de experiências muito enriquecedoras num espaço de tempo tão pequeno…
Entretanto conheço 2 casais portugueses de Setúbal, convidam-me logo para jantar em suas casas, para sair com eles. E depois mais portugueses do Porto, Tomar, Lisboa etc… é bom encontrar portugueses, numa terra tão distante. Agradeço, aos portugueses aqui na Noruega, que me ajudaram muito, nesta fase inicial de viver num novo país, foram  5 estrelas!
Entretanto, sou entrevistado por um jornalista do jornal de Notodden, e o jornal sai com uma página inteiramente reservada à minha viagem. Gosto de pessoas com entusiasmo, e este jornalista mostrava entusiasmo pelo seu trabalho e pela minha história… foi analista em Oslo de qualquer coisa (não me recordo), mas tinha o sonho de ser jornalista, e mudou de actividade profissional. Por isso compreende-me quando lhe disse que ter feito esta viagem foi fácil. …”porque quando gostamos, nada custa, tudo é por prazer, têm-se uma fonte inesgotável de ideias e soluções. o segredo é o amor pelo que fazemos.”- Disse-lhe. Ele sorri para mim, e compreende-me.
No dia anterior à minha partida, houve quem verificasse o peso da minha bicicleta e tivesse dúvidas sobre a concretização do meu objectivo, chegar à Noruega. “ Tens que retirar peso à bicicleta” -Diziam-me.
E aquela bicicleta carregada de malas, e muito pesada sempre se moveu com uma facilidade tremenda…
… Entretanto mudo-me para outra cidade.
Depois, mais saídas a Oslo… é sábado, um jantar com portugueses, espanhóis, noruegueses, franceses. Fala-se espanhol,  e a música é espanhola também, a comida está óptima. Algumas das pessoas presentes no jantar já fizeram uma viagens por alguns países mais excêntricos (Cazaquistão, Mongólia, países africanos etc), contam-se histórias, o ambiente naquele momento… sinto que neste momento estou a viver intensamente. Vou até à varanda… existe um pátio nas traseiras dos edifícios só acedido pelos moradores. O pátio tem árvores mesas e cadeiras, suportes para estacionar as bicicletas… como é sábado é dia de festa, e da varanda ouço outras festas em outros apartamentos… música alta, espalhafato, comida e muita bebida, é sábado com certeza, aqui todos os sábados são assim. Depois discoteca… e o ambiente é de atrevimento e sensualidade.
Outro dia… ida a um concerto em Oslo. Uma rua com aspecto de bairro mais “dark”, uma tabela de basket pendurada na parede de um prédio, de repente vejo um candeeiro pendurado no meio da rua, daqueles feitos de muitas peças de vidro que qualquer pessoa tem em casa, mas este tem 4 metros de altura e está iluminado, um contraste fixe. O concerto… já tinha visto aquele ambiente na tv, tipicamente nórdico… entre hard rock e muito boa música, com um grupo de amigos de várias nacionalidades, bem fixe.
A Noruega tem uma natureza presente por toda a parte, existe imensa floresta, lagos e fiordes. Fiz uma pequena viagem de carro com uns amigos no meio da floresta, próximo da cidade de  Notodden, de repente um alce gigante atravessou a estrada. Existem também muitos veados.
Em Drammen… no meio de um jardim vejo uma rapariga em cuecas e soutien a apanhar sol, a mesma coisa acontece no jardim junto ao rio, é normal.
Quase todos os taxistas de Oslo e de outras cidades, são paquistaneses. Aqui existem muitas pessoas do Paquistão, India e de outros países da mesma região do globo. Muitos noruegueses costumam casar-se com mulheres das Filipinas, muitas vezes eles são muito mais velhos que elas.
Outro dia vejo uma menina que deveria ter uns 6 anos, subia um poste de iluminação, deveria estar a uns 4 metros de altura, o pai observava-a normalmente a partir do chão. Julgo que a atitude generalizada dos pais aqui, é deixar os filhos fazer “coisas”, e não lhes bater, não recriminá-los mas ajudá-los a irem mais além.
Vejo uma senhora na casa dos 70 que utiliza uma trotinete de 3 rodas para se apoiar, numa descida ela monta-se na trotinete. Também já vi pessoas que vão apanhar o comboio para irem para o trabalho, e vão de trotinete até à estação. Falo na trotinete, mas existem outras coisas além da trotinete. O que eu quero dizer, é que em Portugal existem demasiados pré-conceitos… quem utiliza as trotinetes são as crianças, nunca um adulto, pois seria imediatamente conotado como “maluco”. Gosto muito de Portugal, mas a nossa cultura é antiquada neste tipo de coisas. Lembro-me sempre ter andado muito de bicicleta, andar nas ruas de patins em linha, e perceber na face das pessoas que elas pensavam que aquelas coisas eram coisas de “miúdos”, e eu já tinha 35 anos. Cruzei toda a Europa, e percebi que em todos os país que passei, se utiliza muito mais a bicicleta, anda-se mais a pé e os adultos fazem coisas que em Portugal é atribuído às crianças.
Vejo pais a fazer a sua corrida após o dia de trabalho, correm e empurram uma cadeira de rodas com a sua criança, a criança não fica em casa.
No Verão, a costa norueguesa, beneficia das correntes do Oceano que vêem do México, e a temperatura da água em média ronda os 20 graus.
A Noruega é um país rico, “tem muito mel debaixo do chão” (leia-se petróleo), por isso, os norueguese têm uma pseuda-superioridade em relação a qualquer dos países vizinhos. Os preços das coisas neste país, faz “tremer” qualquer cidadão que o visite.
Agora, estou um pouco curioso como será suportar temperaturas de -25º no inverno… ouço falar de que o primeiro gelo não se vê, parece que a rua está limpa, mas depois vamos andar e caímos porque o chão tem uma fina camada de gelo muito escorregadia.

É isto que traz a viagem, momentos diferentes do dia a dia, coisas que nunca vimos, relacionar-nos com muitas pessoas, novas oportunidades, sensações diferentes, imagens diferentes, alargamos o nosso campo de visão, fica-se mais experiente sem dúvida. Quanto aos momentos difíceis, que também existem, servem para nos ensinar coisas interessantes. Sim, os momentos maus devem ser encarados de uma perspectiva diferente, não devemos ficar paralisados na perspectiva má… é como num desenho, alteramos a perspectiva e aí temos nós uma nova visão das coisas, saber tirar partido a nosso favor do que supostamente seria mau (visão budista).
Às vezes quase parece estranho, viver tantas emoções num espaço de tempo tão pequeno… dormir em várias casas, no meio de florestas, em frente à porta das igrejas (algumas vezes próximo das campas fúnebres), ofereceram-me refeições quentes e leite puro, conversar com desconhecidos que me mostram o seu melhor lado. Muitas vezes, partia de manhã comovido com a hospitalidade recebida, e reforcei a minha ideia que as pessoas são boas na generalidade.

E pensar que acabei de realizar mais uns sonhos… perdem-se uns, apostam-se noutros, o importante é alimentar a chama da vida.
No fim desta viajem acabo por dizer: “esteja-se onde se estiver, viaje-se ou não, onde houver amor, aí poderá ser o nosso lugar… mas lá que a viagem nos encanta, isso não há dúvida”.


Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.

(Sebastião da Gama)